4 de mai. de 2010






ENTREVISTA

ESQUECER TAMBÉM É IMPORTANTE

Nesta entrevista o filósofo Charles Feitosa (que participa do X Simpósio Nietzsche Deleuze: Natureza/ Culturafala sobre as vantagens e desvantagens de olhar para o passado e afirma que um pouco de esquecimento é saudável.



Foto: Charles Feitosa


Pergunta - Especialistas na análise do comportamento humano dizem que estamos buscando reconstituir a história e trazendo o passado para o agora. O que esse olhar para o passado tem de bom e de ruim?


Charles Feitosa - A vantagem de olhar para o passado é a oportunidade de compreender e experimentar esse passado como “nosso”. Isso parece óbvio mas não é. Em geral tendemos a olhar para a história como um processo onde não temos nenhuma participação. É a mesma coisa que acontece quando dizemos que “estamos presos em um engarrafamento”, como se o engarrafamento não fosse também um produto da nossa ação. Deveríamos dizer “somos o engarrafamento”. Olhar para o passado ajuda a lembrar que somos também a nossa história. Isso só é ruim quando é feito de forma excessiva. É preciso desconfiar quando a nostalgia vira moda. Supervalorização da memória pode, às vezes, significar falta de perspectivas para o futuro.

P - O filósofo alemão Nietzsche fala da força do esquecer. Por que esquecer é importante para fazer o futuro?


Charles Feitosa - Nietzsche acreditava que sua época estava sofrendo de um excesso de sentido histórico, de um fervor descontrolado pelo passado, de um exercício desmedido da memória. Era preciso mostrar que esse super-memorialismo poderia ser prejudicial não só à vida de um homem, mas também à de um povo ou de uma cultura. Para que o futuro se realize é preciso às vezes esquecer o passado. Mas atenção, esquecer não quer dizer simplesmente apagar da mente e da vista. Esquecer no sentido nietzchiano implica muito mais na força de recriar a memória, reinventá-la, libertando-se das interpretações oficiais e canônicas.


P - No texto de Nietzsche "Da utilidade e desvantagem da história para a vida", ele diz que é possível viver quase sem lembrança, e, mesmo assim, viver feliz. Mas é inteiramente impossível, sem esquecimento, viver. O sr. pode explicar essa teoria?


Charles Feitosa - A maneira mais rápida e segura de adoecer passa pela incapacidade de aceitar as perdas. É índice de saúde saber deixar morrer o que passou. Ainda segundo Nietzsche “saber esquecer” é uma condição para a vida boa: “Quem não é capaz de se estabelecer na soleira do instante, esquecendo tudo que é passado (...), não saberá jamais o que é felicidade e o que é pior, jamais será capaz de fazer com que outros sejam felizes”. O esquecer é necessário para a vida, assim como não só a luz, mas também a escuridão pertence ao ser.

Charles Feitosa é Doutor em Filosofia pela Universidade de Freiburg i. B./Alemanha. Professor e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). Co-organizador do Simpósio Internacional de Filosofia Assim Falou Nietzsche. Autor de “Explicando a Filosofia com Arte”, Ediouro, Rio de Janeiro: 2004


Fonte: www.http://bonsfluidos.abril.com.br/livre/edicoes/0075/06.shtml






Um comentário:

  1. Interessante os pensamentos que norteiam nossa atualidade, e o que os fazem também esquecer, ou fazer-se esquecer do passado, puramente por conta de não nos sentirmos parte dele.Agora, então, me questiono e o que será para o amanhã a era que vivemos hoje?no contexto político, na faixada do "pós-lula" que querem nos arremessar? será que haverá história da qual faremos parte? ou será a história oficial das mídias atuais que figurarão um passado ausente?

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