25 de mai. de 2010

Para os que estão em casa
O "X Simpósio Nietzsche/Deleuze: Natureza/Cultura" será transmitido ao vivo pelo site da Universidade Federal do Pará. Para acompanhar basta clicar no link: WWW.webtv.pa.gov.br

FW: o corpo como vertigem





















Por Nilson Oliveira

Algumas imagens chegam até nós provocando uma sensação de estranhamento. Pela força indescritível de sua presença, vão cada vez mais atraindo, arrastando e seduzindo-nos como um canto de sereias. Não há miragens, as imagens são como blocos de intensidade que se espalham em torno do espaço, fragmentando-se ao limite, subvertendo os contornos da própria identidade, evidenciando a potência de uma imagem que sempre migra. Essa viagem causa incomodo. Mas sua força, seu modo de nos arrancar os olhos, consiste exatamente nesse estranhamento. A imagem mantém-se em nós por ser esse fora indescritível, pelos lances que vimos, mas não conseguimos apreender, como um vulto. É desse modo que encontramos as fotografias de Francesca Woodman, figura curiosa que, como suas imagens, seduziu sem deixar pistas. Woodman entrou para a fotografia usando o corpo como experiência, como laboratório de si. Fez uma viagem sem volta ao limiar do corpo, como se percorresse seus limites para encontrar o inevitável: seu devir-outro-fotográfico, sua imagem-vulto: trata-se de uma quase miragem, algo que atravessa o espaço intenso da vida refletindo uma outra imagem, o além de si, que vaga desfocado, entranhada entre o tempo e espaço, como se deles fizesse parte, mas sem habitar nenhum, como uma sombra que toca sensivelmente nas coisas atravessando as superfícies mais rudimentares, transitando pelas coisas, sem expressar dor, desassossego ou vontade, acompanhando o falso movimento dos olhos, como a imagem que em silêncio espreita o deserto da lente. É a dispersão do corpo, do rosto e do próprio olhar, de um corpo que jaz enterrado na fronteira entre a ausência, a aparição. Um corpo que sempre reflete à sombra de uma outra imagem, uma imagem falha, que quando mirado se dispersa entre as coisas do mundo. Não há representação do rosto nem, portanto, do olhar. Seu rosto pouco revela. A verdade de sua aparência é um enigma, um exílio. Sua substância acontece fora de si, no espaço que há entre a força que o move e o mundo que o acolhe. Sua imagem não é a revelação de uma realidade, mas de uma sombra, de algo que é inteiramente vivo e, no entanto, não orgânico. Há nas fotografias de Francesca algo que nos força a pensar, uma força nos arremessa de encontro a realidades em que muitas vozes se atravessam. Por vezes ouvimos Artaud: o pulsar o corpo sem órgãos; por vezes Bataille: a febre e a intensidade; mas por vezes, entre a sombra e a claridade, o canto silencioso de Rilke: a sombra da morte. Mas isso, esse turbilhão de coisas e vozes, nas fotografias de Francesca Woodman, só pode ser apreendido a partir de uma perspectiva da sensação, numa leitura-gozo que faz o olhar mergulhar no diverso e nele se perder. Em sua primeira característica, e sob qualquer tonalidade, essas imagens só podem ser sentidas. Não é uma estrutura, mas uma abertura, a fissura pela qual os olhares se atravessam. Ela é também, de certo modo, o incomunicável, passível, no entanto, de comunicação. Nas suas fotos, cada imagem parece perdida de uma atmosfera identitária, em cada foto é sempre outra, como se seu corpo estivesse mergulhado em um contínuo jogo de simulacros em que a origem, a verdade, a matriz há muito se apagou. Não há realidades, mas tudo é o que é: um corpo estendido no deserto de uma paisagem. O deserto é a fotografia, mas o corpo parece atravessado de sensações, de febre. Tudo parece vivo e morto, é como se a vida fosse o fora da morte, mas a morte o seu dentro, sua afirmação inevitável. Francesca transcorre pela linha que cruza de uma realidade a outra. Nas suas fotos, as linhas estão sempre se encontrando, fabricando dobras, redobras, criando um aberto de possibilidades como a força de uma máquina desejante que da sua intensidade-corpo passa para uma máquina-desejo que, no seu funcionamento, engendra uma corrente de fluxos, cortes, vultos, peles. Nas suas imagens, há sempre uma pulsação de intensidades operando no seio de um acontecimento: série diversa e não linear vazando por todas as direções. O desejo não cessa de efetuar acoplamentos de fluxos, pensamentos, volúpia, sobra, pele. O corpo de Francesca parece amarrado ao seu limite, mas dele escorre uma leveza indescritível. Sua imagem revela-se como uma quase epifania, mas nunca da ordem de um sagrado; atravessa a fotografia como o Monge Negro, rasgando a retina do jovem Kovrin, conduzindo-o ao seu limite, mas à atração também. Kovrim é atraído a ir, e vai atravessando todos os riscos que implicam esse ir: Kovrin reteve “a respiração, seu coração parou de bater e o mágico, extático transporte que há muito tempo esquecera, voltou a palpitar em seu coração” . O susto é inevitável. Assim foi Francesca na sua experiência com a fotografia, mas, sobretudo, na sua viagem à superfície do corpo. Lembremos Valery: o mais profundo é a pele. Essa foi a sua viagem, ao profundo da superfície, às entranhas da derme. Assim vamos nós ao encontro das suas imagens, numa experiência da sensação e do ver. O susto através das retinas.



***

Francesca Woodman nasceu em Devem, Colorado, em 1958. Começou a fotografar aos 13 anos. Seu foco de experiências era o próprio corpo. Em Janeiro de 1981 publica o livro “Disordered Interior Geometries”. Uma semana depois, atravessa a janela do seu









24 de mai. de 2010

Informamos:

O simpósio internacional Nietzsche / Deleuze: Natureza / Cultura não mais será realizado no Auditório Setorial Básico II. A grande quantidade de inscritos extrapolou as possibilidades desse espaço. Com isso, o Simpósio vai acontecer DIA 25, no AUDITÓRIO BENEDITO NUNES / CENTRO DE CONVENÇÕES DA UFPA, entrada pelo segundo portão, ao lado do Ginásio. No DIA 26, no ICJ / INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, que fica bem próximo ao terceiro portão. E no DIA 27, novamente no AUDITÓRIO BENEDITO NUNES / CENTRO DE CONVENÇÕES DA UFPA. O Horário das conferências durante os três dias de evento será das 09h00 às 12h00 e das 16h00 às 18h00.

Importante: o certificado será entregue duas semanas após a realização do Simpósio na FACULDADE DE FILOSOFIA / IFCH-UFPA

Não haverá credenciamentos / os inscritos já estão automaticamente credenciados.
A programação impressa com os resumos das conferencias será entregue no dia da abertura.

22 de mai. de 2010





Na terça-feira às 10h00 a Antropóloga Dorothea Voegeli Passetti abre o "X Simpósio Internacional de Filosofia Nietzsche / Deleuze: Natureza / Cultura" com a palestra: Natureza e Cultura: além do antropológico.


Dorothea Passetti é doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na qual é professora assistente doutor no Departamento de Antropologia e no Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, tendo atuado na criação do Museu da Cultura a partir de 1991, que atualmente dirige. Tem experiência na área de Antropologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Teoria antropológica, antropologia e arte, arte indígena, Claude Lévi-Strauss, arte e sociedade, exotismo, canibalismo. É Autora de Levi-Strauss, Antropologia E Arte Minusculo – Incomensuravel, Educ/1999.





INSCRIÇÕES
As inscrições ao SIMPÓSIO NIETZSCHE/DELEUZE: NATUREZA/CULTURA encerram neste domingo. Contudo, todos que tiverem interesse em participar do evento terão livre acesso as conferencias. Mas sem direito a certificado.

16 de mai. de 2010


Para ler matérias publicadas no jornal Diário do Pará
Sobre o Simpósio Nietzsche/Deleuze: Natureza/ Cultura
É só clicar nos links: 
http://ee.diariodopara.com.br/Default.aspx?pID=56&eID=7365&lP=8&rP=9&lT=page
http://migre.me/B75y 
 obs. no alto da página tem uma ferramenta para ampliar a página e ler a matéria.



6 de mai. de 2010



I n f o r m a n d o

COLÓQUIO DELEUZE LEITOR DOS MODERNOS
 24 E 25 DE AGOSTO / SÃO PAULO / USP
Mais informações clique aqui 





X SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE FILOSOFIA
NIETZSCHE / DELEUZE: NATUREZA / CULTURA
Universidade Federal do Pará / Auditório Setorial Básico II

De 25 a 27 de maio / 2010 - Belém 

* * *



Realização
Faculdade de Filosofia / Universidade Federal do Pará
Laboratório de Estudos e Pesquisas da Subjetividade
Revista Polichinello

Coordenação:
Daniel Lins (UFC- Paris III-Sorbonne)
Roberto A. P. Barros (UFPA)
Nilson oliveira (Revista Polichinello)


P R O G R A M A Ç Ã O


PRIMEIRO DIA (25/ 05/ 2010):


 MANHÃ:
09hs00. Abertura: (Organização do Simpósio)

09hs30. Homenagem ao Prof. Benedito Nunes.

10hs30Prof. Dr. Oswaldo Giacoia Junior (UNICAMP)
 Conferência: Ascese e Ressentimento em Deleuze

TARDE:
16hs00 Prof. Dra. Dorothea Voegeli Passetti (PUC-SP)
Conferência: Natureza e Cultura: além do antropológico

17hs00Prof. Dr. German Meléndez Acuña (Universidade Nacional de Colômbia)
Conferência: La más Temprana Traducción del Hombre en el Lenguaje de la Naturaleza

18h00Prof. Dr. Ernani Chaves (UFPA)
Conferência: Trabalho, prazer e tédio: Nietzsche contra a 'cultura da máquina.



SEGUNDO DIA (26/05/2010):



 MANHÃ:
09hs00 Prof. Dr. Hélio Rebello Cardoso Jr (UNESP)
Conferência: Entre Natureza e Cultura: contribuição deleuziana para uma teoria empirista das relações e ontologia relacional

10hs00Prof. Dr. Henry Burnett (UNIFESP)
Conferência: Nietzsche e os pré-românticos: visões do popular

11hs00 Prof. Dr. Rodrigo Guimarães Nunes (University of London)
Conferência: O espelho de Nietzsche: ser e pensamento, natureza e cultura entre Foucault e Deleuze

TARDE:
16hs00Prof. Dr. Thilman Borsche (Hildesheim-Alemanha)
Conferência: Que natureza queremos?

17hs00Prof. Dr. Roberto Barros (UFPA)
Conferência: Naturalização da Cultura ou Culturalização da Natureza?

TERCEIRO DIA (27/05/2010):

MANHÃ:
09hs00 Prof. Dr. Eduardo Pellejero (UFRN)
Conferência: AGENCIAMENTOS INUMANOS E NATUREZAS SEGUNDAS: A instituição do mundo na filosofia de Gilles Deleuze."

10hs00Prof. Dr. Charles Feitosa (UNI-RIO)
 Conferência: O Silêncio dos Animais

11hs00Nelson Matos de Noronha (UFAM)
 Conferência: Arqueologia dos saberes na Amazônia.

TARDE:
16hs00Prof. Dra. Frederika Spindler (Södertörns Högskola -Estocolmo)
Conferência: Naturezas do corpo: movimento, órgão, máquina

17hs00Prof. Prof. Dr. Nelson de Souza Júnior (UFPA)
Conferência: O projeto moderno e a impossibilidade do par Natureza/Cultura

18hs00. Encerramento do Simpósio



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INSCRIÇÕES:
__________________

INFORMAÇÕES:
 (91) 32784578

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5 de mai. de 2010


NOTA:












Informamos que houve uma pequena alteração na programação do Simpósio: a presença do Filósofo Argentino Eduardo Pellejero, professor da UFRN, com a palestra "AGENCIAMENTOS INUMANOS E NATUREZAS SEGUNDAS: A instituição do mundo na filosofia de Gilles Deleuze."









TEXTOS:



Dos dispositivos de poder ao agenciamento da resistência
Por Eduardo Pellejero




Foto: Francesca Woodman




Neste artigo o filosofo Eduardo Pellejero (que participa do X Simpósio Nietzsche / Deleuze: Natureza / Cultura) a partir de Deleuze e Foucault analisa os dispositivos de poder bem como os agenciamentos de Resistência e modos de Subjetivação. 





Em 1975, Foucault publicava Vigiar e punir, dando corpo a uma investigação que denotava um deslocamento dos seus interesses da constituição do saber à genealogia do poder. Não mudava apenas o objecto, mudavam, correlativamente, os conceitos. Entre outros, e sobretudo, o conceito de episteme deixa o lugar central que tinha ocupado até então para ser ocupado pelo conceito de dispositivo. E Foucault tem nisto, sobretudo, uma dívida com Deleuze1.
Nos anos seguintes, o conceito não deixa de ganhar importância. Foucault fala de dispositivo disciplinário, dispositivo carcerário, dispositivos de poder, dispositivos de saber, dispositivo de sexualidade, dispositivo de aliança, dispositivo de subjectividade, dispositivo de verdade, dispositivos de segurança, dispositivo estratégico de relações de poder, entre outros. Só em A vontade de saber, encontramos 70 ocorrências do conceito (mesmo se desaparecerá por completo nos seguintes volumes da História da sexualidade).
O conceito também ganha em precisão. Assim, Edgardo Castro assinala que o dispositivo implica: 1) uma rede de relações que se podem estabelecer entre o visível e o enunciável (discursos, instituições, arquitecturas, regulamentos, medidas administrativas, enunciados científicos, morais, filantrópicos); 2) um nexo não representativo entre esses elementos heterogéneos (por exemplo, o discurso pode aparecer como programa de uma instituição, como um elemento que pode justificar ou ocultar uma prática, ou funcionar como uma interpretação a posteriori dessa prática, etc); e 3) uma função estratégica (por exemplo, a reabsorção de uma massa de população flutuante que era excessiva para uma economia mercantilista, isto é, o hospital geral, como dispositivo de controlo-sujeição da loucura)2.
Deleuze, por sua parte, não desconhece a noção, mesmo se prefere falar de agenciamentos de desejo (antes que de dispositivos de poder). Não se trata apenas de uma diferença terminológica. Há uma característica fundamental dos agenciamentos que os colocam para além da sua determinação foucaultiana: qualquer agenciamento apresenta, por um lado, uma estratificação mais ou menos dura (digamos, os dispositivos de poder; Deleuze diz: “uma concreção de poder, de desejo e de territorialidade ou de reterritorialização, regida pela abstracção de uma lei transcendente”3), mas por outro lado compreende pontas de desterritorialização, linhas de fuga por onde se desarticula e se metamorfoseia (“onde se liberta o desejo de todas as suas concreções e abstracções”, diz Deleuze4). E adivinhamos aqui o problema que projectará Deleuze sobre o uso que faz Foucault da noção. Porque o problema de Deleuze não se esgota na determinação dos dispositivos nos quais nos encontramos comprometidos, senão que a partir dessa determinação lança a questão que atribui a Kafka: “Quando é que se pode dizer que um enunciado é novo?, para bem ou para mal; quando é que se pode dizer que um novo agenciamento se está a esboçar?, diabólico ou inocente, ou mesmo ambas as coisas ao mesmo tempo”5.
Esta diferença levará a uma inevitável confrontação. Em 1976, com efeito, Deleuze escreve a Foucault, a seguir à publicação de A vontade de saber6. O que é que diz Deleuze de Vigiar e punir? Em princípio, e de um modo geral, que representa uma “profunda novidade política” com relação ao modo em que concebe o poder. Em seguida, que a respeito do trabalho do próprio Foucault, implica uma superação da dualidade que existia entre formações discursivas e não-discursivas, ou, melhor, “uma razão das suas relações”. Deleuze considera, por outra parte, que A vontade de saber significa “um passo adiante” a respeito de Vigiar e punir. Primeiro, porque os dispositivos de poder passam a ser “constituintes” e não apenas normalizantes. Segundo, porque não se limitam a formar saberes, senão que são constitutivos de verdade (da verdade do poder). Por fim, porque já não se referem a “categorias” negativas – a loucura ou a delinquência como objectos de encerramento –, senão a uma categoria positiva: a sexualidade.
Isso no que diz respeito à avaliação positiva do trabalho de Foucault, porque, pelo que resta, a verdade é que tudo são críticas. Vou limitar-me às mais pertinentes para a questão dos dispositivos: 1) Em primeiro lugar, Deleuze não consegue reduzir os agenciamentos do desejo aos dispositivos do poder. Para Deleuze um agenciamento de desejo comporta dispositivos de poder, mas sempre entre outros componentes do agenciamento. Os dispositivos de poder surgem só aí onde se operam re-territorializações. Deleuze escreve: “Os dispositivos de poder seriam então uma componente dos agenciamentos. Mas os agenciamentos comportariam também pontas de desterritorialização. Brevemente, não seriam os dispositivos de poder que agenciariam, nem seriam constituintes, senão os agenciamentos de desejo que propagariam formações de poder seguindo uma das suas dimensões. O que me permitiria responder à questão, necessária para mim, desnecessária para Michel: como é que o poder pode ser desejado? A primeira diferença seria então que, para mim, o poder é uma afecção do desejo”7. 2) Em segundo lugar, Deleuze vê no deslocamento do princípio que define um campo social dado, das contradições às estratégias, um passo em frente; mas é uma idéia que não acaba por convencê-lo. Uma sociedade não se contradiz, mas também não se estrategiza: o primeiro é que foge, o social foge por todas as partes. Cito novamente Deleuze: “Ainda aí, eu reencontro o primado do desejo, uma vez que o desejo está precisamente nas linhas de fuga (...) Confunde-se com elas (...) As linhas de fuga, os movimentos de desterritorialização não me parecem ter equivalente em Michel, como determinações colectivas históricas. Para mim não há o problema de um estatuto dos fenómenos de resistência: uma vez que as linhas de fuga são as determinações primeiras (...) são linhas objectivas que atravessam uma sociedade (...) De onde o estatuto do intelectual e o problema político não serão teoricamente os mesmos para Michel e para mim”8.
O episódio perderá relevância, de qualquer modo, dez anos depois, quando Deleuze publica seu livro dedicado a Foucault, practicando uma reavaliação sistemática da sua obra. Quero dizer que temos então uma leitura incomensurável dos conceitos foucaultianos (incomensurável com a leitura de 77), que se estenderá através de entrevistas e referências circunstanciais até a década de 90. De 77 ficará apenas uma história: a história de uma crise. De uma crise de todas as ordens: política, vital, filosófica. É assim que Deleuze interpreta o longo silêncio que segue à A vontade de saber: Foucault teria tido a sensação de que se teria fechado nas relações de poder. Deleuze comenta: “O fracasso final do movimento das prisões, depois de 1970, já entristecera Foucault; outros acontecimentos posteriores, à escala mundial, aumentaram essa tristeza. Se o poder é constitutivo de verdade, como conceber um «poder da verdade» que já não seja verdade do poder, uma verdade que derive das linhas transversais de resistência e já não das linhas integrais de poder? Como «franquear a linha»?”9.
Nos setenta, havia problemas que se colocavam para Deleuze e não se colocavam para Foucault, e vice-versa. Nos oitenta, crise mediante, Foucault toma consciência de que os problemas não podem ser mais que os mesmos para ambos e que é no mesmo sentido que devem procurar uma solução: para além dos dispositivos de poder, tem que haver uma dimensão para a luta, para a criação, para a resistência. Em uma entrevista de 1986, Deleuze preenche essa distância: “Por muito que invoque os focos de resistência, de onde vêm tais focos? Necessitará muito tempo para encontrar uma solução, uma vez que, de facto, se trata de criá-la”10.
Qual é essa solução? São, diz Deleuze, os processos de subjectivação como dobra das relações de força dos dispositivos de poder. Trata-se da constituição de modos de existência, da invenção de possibilidades de vida, da criação de territórios existenciais, seguindo regras facultativas, capazes de resistir ao poder como de furtar-se ao saber, mesmo se o saber intenta penetrá-las e o poder de reapropriar-se delas. A luta por uma subjectividade moderna passaria para Foucault por uma resistência às formas actuais de sujeição, passaria por individuar-nos para além das exigências do poder, aquém também, da nossa determinação como indivíduos com uma identidade constituída e conhecida, decidida de uma vez por todas. Reconhecemos o tema do cuidado de si, o tema de uma estética da existência, que Foucault desenvolve a partir de O uso dos prazeres.
A resistência é primeira. É-o para Deleuze, e pode chegar a sê-lo para Foucault na medida em que a produção de subjectividade escapa aos poderes e aos saberes de um dispositivo para reinvestir-se nos de outro: a relação consigo mesmo – então – é uma das fontes de esses focos de resistência. O campo social deixou de estar composto apenas por formações isoladas e imutáveis: só as estratificações do saber e do poder lhe proporcionam alguma estabilidade, mas em si mesmo é instável, agitado, cambiante, como se dependesse de um “apriori paradoxal”, de uma “microagitação”11. Não há dispositivo ou agenciamento que não implique, ao lado dos pontos que conecta, no seu diagrama, digamos, pontos relativamente livres ou libertados, pontos de criatividade, de mutação, de resistência.
A tarefa é, então, alcançar as linhas de subjectivação que determinam a margem extrema de um dispositivo e esboçam a passagem de um dispositivo a outro: “faz falta chegar a dobrar a linha, para constituir uma zona vivível, onde poder alojar-se, tomar apoio, respirar – brevemente, pensar”12.
É neste sentido que Deleuze vai recusar violentamente as interpretações que vêem em Foucault um historiador. Para Deleuze, o que conta é a preocupação foucaultiana pela actualidade. Uma preocupação que nada tem a ver com um eventual retorno aos gregos, senão com as possibilidades que temos de constituir-nos como “si”, para além do saber e do poder, com os processos de subjectivação irredutíveis aos códigos morais dos que dispomos.
E esta é a principal consequência de uma filosofia dos dispositivos: uma mudança de orientação, que se desvia da filosofia do Eterno para aprender o novo. Não predizer, diz Deleuze, senão estar atento ao desconhecido que toca à porta13.


Para conferir as notas clique aqui 

Eduardo Pellejero é argentino. Doutorado em filosofia contemporânea pela Universidade de Lisboa, com uma tese sobre o pensamento de Gilles Deleuze. É professor de Estética na UFRN e desenvolve uma pesquisa no domínio da filosofia (política) da ficção. É autor de trabalha atualmente no campo da filosofia (política) da ficção. Autor de "A Postulação da Realidade: filosofia, literatura, política" (editora Vendaval, Lisboa, 2009)”




4 de mai. de 2010




Patrick Pardini /Da série Arborescência - Belém 1999-2000

I N S C R I Ç Õ E S
Simpósio Nietzsche/ Deleuze:
Natureza/ Cultura
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ENTREVISTA

ESQUECER TAMBÉM É IMPORTANTE

Nesta entrevista o filósofo Charles Feitosa (que participa do X Simpósio Nietzsche Deleuze: Natureza/ Culturafala sobre as vantagens e desvantagens de olhar para o passado e afirma que um pouco de esquecimento é saudável.



Foto: Charles Feitosa


Pergunta - Especialistas na análise do comportamento humano dizem que estamos buscando reconstituir a história e trazendo o passado para o agora. O que esse olhar para o passado tem de bom e de ruim?


Charles Feitosa - A vantagem de olhar para o passado é a oportunidade de compreender e experimentar esse passado como “nosso”. Isso parece óbvio mas não é. Em geral tendemos a olhar para a história como um processo onde não temos nenhuma participação. É a mesma coisa que acontece quando dizemos que “estamos presos em um engarrafamento”, como se o engarrafamento não fosse também um produto da nossa ação. Deveríamos dizer “somos o engarrafamento”. Olhar para o passado ajuda a lembrar que somos também a nossa história. Isso só é ruim quando é feito de forma excessiva. É preciso desconfiar quando a nostalgia vira moda. Supervalorização da memória pode, às vezes, significar falta de perspectivas para o futuro.

P - O filósofo alemão Nietzsche fala da força do esquecer. Por que esquecer é importante para fazer o futuro?


Charles Feitosa - Nietzsche acreditava que sua época estava sofrendo de um excesso de sentido histórico, de um fervor descontrolado pelo passado, de um exercício desmedido da memória. Era preciso mostrar que esse super-memorialismo poderia ser prejudicial não só à vida de um homem, mas também à de um povo ou de uma cultura. Para que o futuro se realize é preciso às vezes esquecer o passado. Mas atenção, esquecer não quer dizer simplesmente apagar da mente e da vista. Esquecer no sentido nietzchiano implica muito mais na força de recriar a memória, reinventá-la, libertando-se das interpretações oficiais e canônicas.


P - No texto de Nietzsche "Da utilidade e desvantagem da história para a vida", ele diz que é possível viver quase sem lembrança, e, mesmo assim, viver feliz. Mas é inteiramente impossível, sem esquecimento, viver. O sr. pode explicar essa teoria?


Charles Feitosa - A maneira mais rápida e segura de adoecer passa pela incapacidade de aceitar as perdas. É índice de saúde saber deixar morrer o que passou. Ainda segundo Nietzsche “saber esquecer” é uma condição para a vida boa: “Quem não é capaz de se estabelecer na soleira do instante, esquecendo tudo que é passado (...), não saberá jamais o que é felicidade e o que é pior, jamais será capaz de fazer com que outros sejam felizes”. O esquecer é necessário para a vida, assim como não só a luz, mas também a escuridão pertence ao ser.

Charles Feitosa é Doutor em Filosofia pela Universidade de Freiburg i. B./Alemanha. Professor e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). Co-organizador do Simpósio Internacional de Filosofia Assim Falou Nietzsche. Autor de “Explicando a Filosofia com Arte”, Ediouro, Rio de Janeiro: 2004


Fonte: www.http://bonsfluidos.abril.com.br/livre/edicoes/0075/06.shtml